“Quando
considero (...) o pequeno espaço que ocupo e que vejo tragado pela imensidão
infinita de espaços dos quais nada sei e que nada sabem a meu respeito, assusto-me
e impressiono-me de me ver aqui e não lá: não existe motivo para que eu esteja
aqui e não lá, agora e não então. Quem me pôs aqui?”
Pascal, Pensées,
68
Chega um momento em que é preciso
parar tudo diante da possibilidade de transformar o sonho em acontecimento
concreto: finalmente, aquela viagem.
A viagem dos sonhos almejada por anos, o intercâmbio, a oportunidade de emprego
imperdível fora do país, a mudança de vida para o exterior que sempre fez tanto
sentido e que agora é a hora de botar em prática com todos os medos e anseios...
A verdade é que existem poucas coisas na
vida que nos “puxem mais pelo estômago” do que uma viagem. O estômago é o órgão
que responde aos nossos anseios mais primitivos: aquele que recebe o que vem do
mundo e também o que pede pelo que está lá fora quando o que está dentro não
mais satisfaz. A fome chega e nos faz desejar o mundo. Mas afinal, que fome é
essa? Temos fome de quê?
Alain de Botton, em sua obra “A
arte de viajar”¹, fala sobre o desejo de viajar que chega para nós, na maioria
das vezes, junto com um monte de expectativas. Para o autor, poucas atividades
revelam tanto a respeito da dinâmica pela busca da felicidade do que o ato de
viajar, com toda a sua empolgação e seus paradoxos. É certo que a “fome” de
cada um de nós é algo muito particular e com muitas nuances diferentes, sendo quase
impossível determinar um único desejo comum a todos. Entretanto, talvez a busca
pela autorrealização seja um desejo prevalente na maioria das situações: nós só
nos movemos quando o que está aqui não está bom, quando o que existe “cá” não nos satisfaz mais – e então vamos para “lá”.
Buscamos,
assim, algo lá fora que nos realize, que contenha aquilo que atenda aos nossos
anseios presentes. E é por meio deste passo que, movidos pela nossa própria
falta, abrimos a porta de casa rumo ao novo, ao desconhecido. Porém, este
desconhecido é, paradoxalmente, também o conhecido da nossa própria intimidade.
Sim, nossas faltas, nossos desejos e tudo aquilo que almejamos falam muito
de nós, talvez mais do que quando nos sentimos completos.
O
que tem lá fora sempre nos leva a um encontro com nós mesmos. É através do
próprio contraste com o diferente que percebemos o nosso contorno, as nossas
especificidades. Talvez aquela “fome” seja a fome do nosso próprio íntimo, de
fazer contato com o que somos através das nossas aspirações, do nosso caminhar
e das nossas mais ousadas realizações. Afinal, também somos a incerteza, o
movimento e o que nos “chama” ao encontro. A viagem, eu diria, é a busca por um
mergulho na nossa própria existência.
¹BOTTON,
Alain de. A arte de viajar. Rio de
Janeiro: Intrínseca, 2012.
Foto: http://www.zenitecerimonial.com.br/conteudo.php?tit=pacotes_de_viagens_cvc&id=28
Nenhum comentário:
Postar um comentário